SPPSM: O meu contributo

Constatar que a Psiquiatria portuguesa não tinha uma associação ativa que a representasse e na qual os psiquiatras portugueses se revissem foi o leitmotiv para aceitar entrar neste empreendimento. Quando, no ano de 2003, os saudosos Prof. Vaz Serra e Dr. Manuel Paes de Sousa, em conjunto com os Profs. António Palha e Maria Luísa Figueira, entre outros colegas, me quiseram envolver no projeto de reabilitação da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, criada pelo saudoso Prof. Fernandes da Fonseca e outros colegas, não hesitei em colaborar.

Na verdade, a “velha” associação estava sem atividade há longos anos e era necessário reabilitá-la em torno de um projeto que mobilizasse a Psiquiatria portuguesa. Deste modo. posso afirmar que estou neste projeto desde o seu nascimento. Desde o período organizativo que precedeu a Assembleia Eleitoral de 19 de março de 2004, que marcou um novo período da “nova” Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental. que faço parte deste longo projeto, tendo ocupado diferentes cargos nos seus órgãos sociais.

Foi um exercício muito interessante e valorizador ter participado, com todos os colegas. na construção do que hoje todos conhecemos e identificamos como a SPPSM.

O que posso passar aos meus colegas mais novos que se vão ocupar do destino da SPPSM? Antes de mais. O comprometimento com uma causa nobre – servir os doentes e suas famílias, ajudando a criar uma organização que se dedica à promoção do desenvolvimento da Psiquiatria e Saúde Mental ao serviço da saúde da população portuguesa – mas também a responsabilidade de representar toda uma classe que nos indigitou para promovermos a dignificação desta especialidade médica.

Em 2016, assumi o cargo de presidente em exercício depois de ter integrado a Direção. como presidente eleito. durante 3 anos. então presidida pela Prof.ª Luísa Figueira. Ao assumir o exercício da presidência. apresentámos um projeto ambicioso, organizado em 4 eixos – (1) científico, (2) formativo, (3) social e (4) político – que paulatinamente fomos desenvolvendo.

Destes 4 anos mais recentes. o que posso destacar como mais relevante? Em termos muito práticos. devo realçar a importância que reside no facto de se passar um mandato na Direção como presidente eleito. São anos em que nos vamos envolvendo nas políticas da Direção, e. que vamos absorvendo os aspetos pragmáticos da gestão da diversidade de relações que constituem a rede comunicacional que assegura o sucesso de um determinado projeto. São anos em que. gradualmente. vamos assumindo a responsabilidade de coordenação dos membros da Direção e,  assim, dando continuidade ao projeto na Direção a que iremos presidir.

Uma sociedade científica tem sempre. pela sua natureza. um projeto de desenvolvimento que não se esgota num mandato. A sua execução terá prioridades em função das suas necessidades de desenvolvimento ou das circunstâncias contextuais que num determinado período o condiciona. Mas o plano de fundo deve manter-te e ir sendo executado nos diferentes mandatos. ao mesmo tempo que vai sendo avaliado. Ora, esta continuidade necessária só é garantida de forma funcional se. no mesmo período, no mesmo mandato, coincidam os agentes de diferentes épocas temporais: o presidente passado, que representa a memória institucional e, de certo modo. os alicerces históricos do projeto institucional. O presidente em exercício, que assegura o aqui e agora na continuidade do projeto, e o presidente eleito, que abre portas para o futuro e, de certa forma. assegura a vitalidade do projeto pela sua continuidade.

Ou seja, a fórmula que a experiência gestionária destes anos de implementação da SPPSM encontrou é, na minha opinião, a mais adequada à organização de uma sociedade científica que se paute por projetos estruturais de longa duração: fazer confluir ao mesmo tempo a história, a atualidade e o futuro, consubstanciados nas figuras do presidente passado, presidente em exercício e presidente eleito.

Em termos do projeto ele próprio, gostaria de salientar 3 aspetos: o processo de estigmatização dos doentes mentais, a problemática do treino e formação dos psiquiatras e a intervenção sociopolitica.

Quanto à questão do processo de estigmatização dos doentes mentais. este constituiu um dos alicerces do projeto fundador da SPPSM. Foram várias as razões que estiveram na base deste alicerce: a ferida à dignificação da pessoa-doente-mental, a intrincada teia da sua génese, as dificuldades na sua resolução, entre outras. Na Direção a que eu presidi entendemos atacar este complexo problema agindo sobre um dos fatores que contribuem para a construção da realidade social – a comunicação social – em torno de um projeto designado “Informemente“. Desde a criação de grupos de discussão com jornalistas. Passando pela criação do Guia Essencial para Jornalistas sobre Saúde Mental (que está disponível na web, no site da Sociedade), até à criação do Prémio para Jornalistas, sobre as melhores notícias ligadas à Psiquiatria e à Saúde Mental, este projeto tem como objetivo favorecer as condições de dignificação da pessoa-doente-mental.

Sabemos que a luta é longa e permanente. tanto quanto sabemos que a génese do estigma está enraizada no código da interação social: tendemos a estigmatizar todos os comportamentos que não se enquadrem no senso comum. Por isso, agir sobre os meios de comunicação social é agir sobre uma parte da construção desse senso comum e, assim, permitir que as perturbações do comportamento passem a fazer parte do léxico do senso comum.

Quanto ao projeto formativo, ele constitui o alicerce das boas práticas. A par da formação especializada decorrente do treino para aquisição do grau de especialista, entendemos complementar essa formação dos internos e estendê-la àqueles que já terminaram essa fase de treino, oferecendo cursos de formação em áreas habitualmente não tratadas ao longo da formação especializada ou atualizações permanentes em áreas cruciais para a boa prática psiquiátrica. A melhor prova da necessidade deste tipo de ações tem sido a forte adesão a esses cursos, ao longo destes anos que os temos vindo a promover.

Por fim, a intervenção sociopolitica. No meu entendimento, um dos papeis de uma sociedade científica é contribuir para a regulação das políticas e dos planos de ação específicos de uma determinada área da Saúde. Este papel é tão importante quanto necessário na nossa especialidade. Tendo como exemplo o Plano Nacional de Saúde Mental, entendo que é um imperativo ético a PPSM pronunciar-se sobre os aspetos modélicos do Plano. sobre a sua execução, sobre a ideologia subjacente, etc. Daí que tenhamos desenvolvido um conjunto de ações, nos diferentes fóruns a que temos acesso. incluindo a Assembleia da República, explicitando o nosso ponto de vista quanto às mais-valias e às menos-valias, ou mesmo distorções das políticas portuguesas de Saúde Mental. Fizémo-lo quer sob o formato de conferências, entrevistas, audiências, lobbing, ou recorrendo a instrumentos formais. Foi o caso de uma petição pública que lançámos com o título ”Pela reposição da comparticipação dos antpsicóticos a 100%”, que foi recentemente entregue na Assembleia da República.

Estas 3 dimensões do longo projeto da SPPSM não se extinguem num mandato. Por isso, a sua continuidade depende precisamente da nossa capacidade organizativa, de tal forma que os agentes num período da história da SPPSM sejam os executores de um plano que é, historicamente, transversal a todos os mandatos.

Eis o testemunho de um simples agente que pretendeu participar na mudança da organização societária relativa às questões da Psiquiatria e da Saúde Mental, que o fez e continua a fazer de forma ativa. mas desprendida. e que, por isso mesmo. se sente enriquecido e com o sentimento de dever cumprido.

Bem-haja os que estão dispostos a levar por diante este importante. necessário e maravilhoso projeto.