A regulação do funcionamento do cérebro pode ser feita também por estimulação cerebral. Convencionalmente, as técnicas de estimulação podem ser agrupadas em duas categorias: (1) técnicas que induzem a atividade das células nervosas (ditas técnicas supraliminares) e (2) técnicas que exercem efeitos moduladores na atividade neurológica e na excitabilidade em curso no cérebro (técnicas subliminares).
O primeiro grupo inclui a estimulação elétrica transcraniana de alta intensidade (TES), a estimulação magnética transcraniana (TMS), a eletroconvulsivoterapia (ECT), para citar as principais. O segundo grupo inclui formas de estimulação elétrica sustentada de baixa intensidade, tais como a estimulação transcraniana por corrente contínua (tDCS), estimulação transcraniana por corrente alterna (tACS), estimulação transcraniana por corrente pulsada (tPCS) e estimulação transcraniana por ruído aleatório (tRNS).
Enquanto que as técnicas supraliminares alteram o comportamento através da modulação de redes neuronais endógenas, já as técnicas subliminares, como o tDCS, influenciam o disparo das células nervosas em sistemas já ativos. Isto é, as técnicas supraliminares alteram o estado das redes neuronais, estimulando-as e fazendo-as passar de estado inativo para estado ativo. Já as técnicas subliminares, como o tDCS, apenas atuam mas redes já ativadas e regulam apenas o seu funcionamento. Neste sentido, estas técnicas são consideradas não invasivas.
Com base em evidências crescentes de que uma corrente fornecida a regiões cerebrais específicas pode promover alterações plásticas desejáveis, as técnicas de estimulação estão a surgir como uma ferramenta promissora no alívio de sintomas. Em relação a outras abordagens de estimulação cerebral, o tDCS tem despertado considerável interesse porque é bem tolerado, podendo ser usado como terapia complementar a outras intervenções, nomeadamente a farmacológica.
Mas, ao contrário da farmacoterapia, a eletroterapia não invasiva oferece uma abordagem mais personalizada, dado que vai intervir sobre áreas específicas do cérebro de uma pessoa particular. O caráter personalizado também advém do facto de ser sempre feito um qEEG (eletroencefalograma quantitativo), o qual permite determinar quais as áreas específicas de uma pessoa concreta que devem ser ativadas ou inibidas. O controle temporal desta técnica é possível devido ao facto de a eletricidade ser imediatamente enviada para o cérebro através do couro cabeludo. Também não existe”resíduo” elétrico, pois a corrente cerebral gerada desaparece assim que a estimulação é interrompida. Para além disso, a dose de tDCS também pode ser modelada para indivíduos concretos e direcionada de maneiras que não são possíveis com outras intervenções.
Figura 1 – As correntes elétricas registadas pelo eletroencefalograma (EEG) resultam de correntes transmembranares nos neurónios; essas correntes podem ser modificadas especificamente por estimulação elétrica transcraniana (tDCS). A estimulação de uma área cortical afeta a região subjacente, além de outras áreas do sistema, e esse padrão de ativação é o responsável pelo efeito comportamental final induzido pelo tDCS. Ao combinar esta técnica com o qEEG, torna-se possível obter medições personalizadas da da atividade de todo o cérebro e, desse modo, orientar a escolha do local no couro cabeludo a aturar e o tipo de protocolo a ser usado.
No tDCS, a corrente direta é geralmente aplicada por eletrodos condutores de borracha embutidos numa esponja embebida numa solução salina. Os elétrodos são conectados a um estimulador que fornece corrente contínua constante, essencial para a força estável da corrente, a fim de garantir efeitos tDCS confiáveis. Essa corrente é assegurada por uma pilha de 9 volts. Os parâmetros de estimulação geralmente aplicados variam de 1 a 2 mA de intensidade de corrente, de 3,5 a 100 cm2 de tamanho de eletrodo e até 20 minutos de duração de estimulação na maioria dos casos. Esses parâmetros são considerados seguros, como tem sido demonstrado por medidas comportamentais, eletroencefalograma (EEG), concentração sanguínea específica de enodasse neuronal, medidas de ressonância magnética ponderadas por difusão e com contraste, além da ausência de efeitos colaterais em humanos saudáveis e doentes. Por vezes, no início da estimulação, algumas pessoas sentem uma leve sensação de prurido, que normalmente desaparece com o tempo.
Nas últimas décadas, o tDCS foi usado em diferentes quadros clínicos (Coffman et al., 2014; Brunoni et al., 2011; 2012; Pelletier et al., 2014), tendo sido realizados, na década de 2000, estudos clínicos piloto para indicações que abrangem a depressão (Meron et al., 2015), a dor (O’Connell et al., 2014), a epilepsia (San-Juan et al., 2015) e uma ampla gama de perturbações neuropsiquiatáricos (Tortella et al., 2015) e neuropsicológicas (Shi et al., 2015; Summers et al., 2016; Utzet al., 2010). O tDCS também tem sido usado na reabilitação, como acontece, por exemplo, no pós-AVC.
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